Durum Dudum: Celebrando a Vida e a Energia Edongueriana

As 10:14h, 9 de outubro, 2023
Categorias

                                                                                                                                                      Por Jalima Borges

Como biógrafa de Makulelu, guardião das tradições de Edonguera, venho seguindo os passos desse incrível artista há muitos anos. Makulelu não viaja com uma banda fixa, mas vive em fluxo com a natureza social da nossa ilha, se preparando para a próxima peregrinação que vier como inspiração inevitável ou missão de auxílio. Isso geralmente flui do mundo dos sonhos, um lugar que todos conhecemos mas poucos sabem articular.

Por anos, tive o privilégio de seguir os passos de Makulelu, o mestre da música edongueriana, em suas jornadas e aventuras pelo mundo. Durum Dudum sempre me intrigou, e eu sabia que por trás dessa música havia segredos profundos a serem revelados.

Makulelu sempre foi um músico que se inspirou em suas experiências e conexões com lugares energéticos ao redor do mundo. Suas letras, muitas vezes, eram criadas instantaneamente e as palavras eram escolhidas para serem ambíguas, permitindo que cada ouvinte encontrasse sua própria conexão com a música.

De quando em quando, Makulelu compartilhava conosco as histórias e os significados por trás de suas músicas inspiradoras. Neste relato, gostaria de falar de uma de suas canções recentes mais emblemáticas, lançada no mundo de fora como Durum Dudum e explorar as mensagens que ela parece conter.

Nessa canção em particular, Makulelu cantou: “my life is safe indeed, the light in you” (minha vida está segura, na verdade, a luz em você). Essas palavras, aparentemente enigmáticas, eram uma representação da sua própria jornada espiritual e da conexão que ele sentia com a energia vital que fluía através de todos nós.

Enquanto Durum Dudum celebrava a energia edongueriana e a alegria de viver, também trazia consigo a mensagem de que a verdadeira segurança estava dentro de cada indivíduo. Era uma lembrança de que a luz, a vitalidade e a força estavam presentes em todos nós, prontos para serem despertadas.

Essa música, como muitas das composições de Makulelu, tem o poder de tocar o coração das pessoas de maneira única. É uma celebração da vida, da determinação e da conexão espiritual que une todos os habitantes de Edonguera.

Durum Dudum: A Canção que Liga a Natureza à Alma Edongueriana

Era uma manhã radiante no centro cultural Xarini, no sopé das Grutas de Garillion, no Planalto de Jaliralis, com vista para a baía de Inavô, uma das primeiras colônias das ilhas. O sol emergia por trás das majestosas cristas, pintando o céu de tons dourados e alaranjados. 

Na noite anterior, Makulelu teve uma visão em um sonho, no qual ascendia ao firmamento, encontrando-se com um ser musical que revelou a ele a “luz segura” que reside “dentro” como “vida” e que também se manifesta ao nosso redor, desde as profundezas da terra até os céus. Ele expressou isso em inglês com tons edonguerianos, “my light is safe indeed, the life in you.” 

Obra de Jaris Malinden (2023).

 

Essa frase famosa em Durum Dudum, vinda da ligação de Makulelu com os seres do firmamento, inspirou várias obras abstratas entre artistas e entusiastas na ilha.

Foi uma experiência transcendental que deixou Makulelu profundamente inspirado. Decidindo compartilhar essa experiência única com o mundo, ele compôs uma música que capturava a essência dessa revelação. Makulelu optou pela energia do funk rock misturado com ritmos brasileiros e um arranjo vibrante para a sessão de sopros. Ele queria muita dança e movimento no palco, espaço para dança, para solo instrumental. E, também, para os instrumentistas de sopro se ligarem ao cosmos, a conexão que chamamos de “nerastê”: que une todos os elementos. O canto de Makulelu, somado às linhas da banda inteira, formam uma ligação com a natureza durante cada performance. Assim, Durum Dudum celebra a vida e a conexão entre todas as coisas.

Depois daquele sonho e com um sorriso no rosto, Makulelu caminhou pelas trilhas sinuosas em volta de Xarini. Seus pés tocavam o solo com firmeza, conectando-o à energia pulsante da ilha. Ele podia sentir a harmonia entre seu corpo e a natureza ao seu redor, uma conexão profunda que inspiraria a música que estava por vir. Aquela caminhada era necessária para espalhar e visualizar o som que Makulelu havia incorporado em sua jornada aos mundos das estrelas do firmamento. Ele se sentiu responsável em trazer ao mundo o fluxo daquela criação, sem se preocupar com as dificuldades de popularizar esse material no mundo de fora. 

Ao retornar à sua casa, Makulelu pegou seu violão, que carregava as histórias e os sons de todas as suas outras jornadas. Aquele violão, chamado ‘narizito’,  também é mencionado em Durum Dundum. Em Edonguera, os instrumentos que tocamos fazem parte de nosso ser, de quem somos, e nos representa por aqui quando retornamos ao mundo dos sonhos. Narizito foi um presente do artista Luthier Iglaris Muriki, feito com madeiras ancestrais, incluindo tronco de Jaribé e Linho Alato dos vales de Barisné, no sul do arquipélago. 

As primeiras notas de Durum Dudum fluíram como um riacho de alegria. Os acordes são cheios de vitalidade, como o coração de Edonguera. A melodia é contagiante, fazendo com que os dedos de Makulelu dancem pelas cordas com entusiasmo. 

A canção começa com Makulelu entoando palavras que expressam seu amor pela natureza e a vastidão das experiências que ela oferece: “love for nature, a lot to see.”  Os ritmos sincopados ecoam, seguidos do solo de teclado pela grande Gismalia Zayrin, que vem colaborando em várias faixas com Makulelu. Em seguida, a sessão de sopros entra, preenchendo a música com uma energia contagiante. 

Makulelu sempre valorizou muito os instrumentos de sopro, pois adicionam uma dimensão cheia de harmônicos que ligam o coração dos instrumentistas com o cosmos, de uma maneira parecida com o que a voz sempre fez em várias tradições religiosas do mundo externo. 

Enquanto a música tomava forma, Makulelu começou a cantar. Sua voz era cheia de energia, como o vento que soprava pelas colinas da ilha. Ele entoava palavras que celebravam a perseverança, a determinação e a paixão pela vida. Era uma ovação aos edonguerianos que se esforçavam todos os dias para alcançar seus sonhos e ajudar, cada um do seu próprio jeito, as pessoas no mundo exterior.

No meio da composição, Makulelu imaginava os rostos sorridentes de sua gente. Ele se via nas estradas de Edonguera, onde as pessoas se exercitavam e se alimentavam com sabedoria, mantendo-se saudáveis e cheias de energia. Essa era a imagem de paz e felicidade que poderia, de uma maneira singela, ajudar as pessoas no mundo externo e levar um pouco mais de vida saudável.

Essa orientação inspirava a letra da música e enchia cada verso com gratidão. A imagem mais importante de Durum Dundum é a alegria, a dança, o salto da mente e do corpo, o suor e o prazer do exercício saudável e a sensação transcendente que é o cantar e o tocar.

À medida que a canção se desenvolvia, Makulelu capturava a própria essência de Edonguera, que vive em todos nós. Durum Dundum representa aquela energia inesgotável e inquebrantável que flui pelos habitantes da ilha. Agora, era a melodia e a letra de uma canção que ecoaria por gerações.

Quando ele finalmente tocou as últimas notas e cantou o último verso, uma sensação de realização o envolveu. Durum Dudum era mais do que uma música; era um tributo à vida, à determinação e à alegria de viver dos edonguerianos. E Makulelu sabia que, quando as pessoas ouvissem essa canção, seriam lembradas de que a energia para enfrentar os desafios do dia a dia estava sempre dentro delas, como a própria ilha de Edonguera, pulsante e cheia de vida.